Soares representou sempre a janela de oportunidade para uma solução ao centro nunca se deixando cair no encanto das opções de desconstrução da extrema-esquerda e também não teve ilusões sobre a solução prática e cega de se entender com o partido comunista. Por isso, na maior das dificuldades abriu o país à Europa numa dicotomia de disputa entre o PS e o PSD.
Bastava ao PS, de Mário Soares, ser fiel à maioria sociológica do país e também a crença na alternância democrática sem ceder ao oportunismo imediato de chegar ao poder por qualquer artifício partidário.
A solução de Mário Soares é agora vista com melhores olhos por quem quer chegar ao poder mas que também já percebeu que não vale a pena chegar lá de qualquer maneira.
A Europa – que somos e pertencemos – experimenta agora o revigoramento das teses da direita e mesma da extrema-direita. E isso acontece porque a opção da “desconstrução” política já deu o que tinha a dar, as narrativas disruptivas já cansam e deixam de ter acolhimento na maioria do centro político, pouco interessado em acompanhar aquela que ainda é – mas em queda – a opção hermenêutica das redações dos nossos órgãos de comunicação social, também eles em crise por isso mesmo!
A desconstrução na política
A tentativa da desconstrução é complexa e vai mais além do que a destruição da reputação do adversário, optando pela contestação radical do discurso originado na prática histórica tradicional de fazer política.
Apresenta-se como a voz profética que põe em xeque a representatividade dos políticos que “já não nos representam”, sejam eles de esquerda ou direita. Ora esta política (teoria e prática) não precisa de reforma, referendo ou qualquer outro instrumento burocrático que recoloque tudo nos mesmos termos do passado: ela apresentava-se como revolucionária!.
Os desconstrucionistas querem (queriam?) uma “narrativa” desconstruída, desmontada, repensada e remontada sobre outras bases, diferentes daquelas que herdamos. Estes acreditam pois numa “narrativa” – que confundem com realidade (mas que pode ser real se seguida pelos editores/comentadores escolhidos a dedo! – capaz de “orientar” o povo.
O manguito do povo!
Mário Soares sempre soube medir a “tensão arterial” do povo português. Basta lembrar aos mais novos – esperando que os mais velhos estejam disponíveis para o testemunhar – o papel do PS no 25 de Novembro e de Mário Soares (e já agora da Igreja pela mão do cardeal patriarca de Lisboa, António Ribeiro) no “recuo do PCP, e no regresso à liberdade da redacção da Rádio Renascença.
Coisas antigas? Certo, mas que apontam para a memória que nos fala de um consenso político de tolerância, matriz da democracia portuguesa expressa na Constituição. Foi um PS tolerante mas exigente na democracia que Mário Soares fundou, representou e liderou.
Os altíssimos índices de abstenção deveriam ter preocupado, em tempo oportuno, as direções dos partidos do centro (PS+PSD) hoje cada um no patamar dos 23%, numa dificuldade extrema de desenhar soluções de governação.
Os valores de consenso e os problemas sociais
Os 50 anos da democracia portuguesa vincaram valores essenciais: as liberdades individuais, como o respeito pela vida privada, a liberdade de pensamento, de religião, de reunião, de expressão e de informação, todos entendidos num sistema de democracia representativa e de economia de mercado. Estudar o pensamento de Mário Soares é aprofundar o conhecimentos destas matérias.
Um pensamento que nunca dispensou a análise dos “problemas sociais” vistos numa perspetiva de desenvolvimento das pessoas e instituições numa atitude de inclusão e não discriminação.
O acolhimento destas preocupações – valores de consenso e problemas sociais – são agora a pedra angular para se construir uma atitude política capaz de fazer valer no interior do partido socialista a memória de Mário Soares.
As lideranças no PS terão de ser maturadas neste ambiente para que o país possa confiar naqueles que nos querem liderar. Sejam bem-vindos!
Por Arnaldo Meireles
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