O espelho como reflexo da alma

O espelho reflete duas das nossas imagens: aquela que mostra e a que o coração guarda. Ambas se entrelaçam, confundindo-se, mas raramente se conhecem. É na separação dessas imagens que reside o drama humano, a busca incessante por aquilo que somos para além do que aparentamos ser.
O espelho, frio e intransigente, devolve apenas a superfície, uma carapaça moldada por convenções, olhares alheios e os jogos de máscaras que a sociedade impõe. Ele não vê o invisível; ignora os desvãos da alma, as dores ocultas, os sonhos abortados. E, ainda assim, há momentos em que nos tornamos prisioneiros dessa reflexão parcial, confundindo o reflexo com a essência, como se o visível esgotasse o ser.
Mas e a imagem interior, aquele espectro intangível que mora nas profundezas do eu? Esta não se revela no vidro polido, mas em momentos de solião ou de angústia, quando as camadas superficiais são arrancadas, deixando a alma exposta ao próprio julgamento.
É ali, no silêncio, que o verdadeiro reflexo se forma – um reflexo despido de adornos, mas não menos traiçoeiro, pois a alma também mente para si mesma.
Há, portanto, uma tensão constante entre essas duas imagens. Quando a exterior se sobressai, o homem é reduzido a um simulacro, uma figura sem substância. Quando a interior se impõe de forma absoluta, corre o risco de se perder em abstrações, desvinculado do mundo real. O equilíbrio é raro e frágil, como um fio de luz trémula entre duas sombras.
Eis o dilema: o que somos depende tanto do olhar alheio quanto do nosso próprio olhar:
– O homem que abandona o espelho da alma, limitando-se ao reflexo da superfície, torna-se um fantasma de si mesmo, um mero ator representando papéis alheios.
– aquele que rejeita o espelho do mundo, fechando-se em si, corre o risco de sucumbir ao isolamento, à insanidade que cresce onde a luz do outro não penetra.
No fim, resta-nos a necessidade de habitar ambas as imagens, conscientes de que nenhuma delas é a verdade absoluta. Somos um reflexo dual, uma síntese do visível e do invisível, destinados ao equilíbrio entre os espelhos do mundo e da alma, buscando no efémero a eternidade do que realmente somos.

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