A natureza como causa teológica

A luta pelo meio ambiente se transforma em luta cristã e mostra-se como tarefa daqueles e daquelas que compreenderam que estamos nesse mundo para exercermos a mordomia diante daquilo que nos foi confiado.

Reconhecer-se como menor que a natureza é imprescindível para o ser humano.

Reconhecer-se como menor que a natureza é imprescindível para o ser humano. (Ueslei Marcelino/Reuters)

Por Fabrício Veliq*

Toda pessoa cristã acredita que o mundo é uma criação de Deus, que ele o fez e viu que tudo que havia criado era muito bom. Outra questão que é ponto pacífico para toda pessoa cristã é que não é somente o ser humano que é uma criação divina, mas também o fato de que a própria natureza foi pensada e criada por esse mesmo Deus.

Ao longo da história do cristianismo, porém, a ideia da natureza, enquanto divina, foi entendida como uma criação para uso e exploração. A natureza passou a ser vista como algo a ser modificada, transformada e explorada a fim de que a humanidade pudesse tirar dela tudo que se pudesse, com intuito de garantir a esse ser humano e à sua sociedade o tão desejado progresso. Com isso, a natureza deixa de ser vista em seu valor próprio, passando a ser considerada como mera fonte de recurso por aqueles que se consideravam superiores, ou seja, os seres humanos.

A crise ecológica que vivemos hoje, sem dúvida, vem como consequência desse movimento que começou há muitos séculos, e que hoje se agrava com o crescimento do agronegócio, as indústrias que poluem o ar com suas emissões de gases nocivos ao meio ambiente, e ainda as questões nucleares. Actualmente, a humanidade chegou a um ponto no qual é capaz de se auto destruir. O sonho de domínio da natureza foi tão largamente alcançado que já possuímos os instrumentos necessários para até mesmo destruir essa natureza.

A questão da Amazónia que tem sido destruída por parte de madeireiros e grileiros que desejam a todo custo transformar a floresta em mera fonte de lucros, destruindo tudo que se coloca em seu caminho, sejam vidas humanas, sejam vida animal e vegetal, tem sido notícia em toda media internacional.

Essa destruição, intensificada por um governo que tem se mostrado avesso a tudo o que é questão ambiental, abusando dos discursos falsos na tentativa de convencer às populações mais desinformadas de que todas essas notícias veiculadas não passam de mentiras, traz sérias consequências para a vida no planeta e para a própria existência da humanidade e da biodiversidade.

Vozes têm se levantado, tanto no Brasil quanto no exterior, na luta contra essa destruição, contra as políticas do governo actual, que tem desmantelado todos os esforços feitos ao longo de vários anos para a conservação da floresta amazónica, que, como se sabe, é fundamental para a continuidade da vida em todo o mundo. Essas vozes, por sua vez, mostram-se conscientes de que o futuro da floresta amazónica significa o futuro de todos e todas.

Quando um governo que se diz cristão, tal como o de Bolsonaro ou Donald Trump, incentiva a destruição ambiental, disseminam que a crise ecológica e o aquecimento global são discursos comunistas, mentiras contadas por ONGs etc., fica claro que o cristianismo que afirmam não passa de demagogia.

Se cremos que o mundo foi criado por Deus e que a natureza também o foi, então essa natureza possui valor em si mesma e deve ser cuidada e preservada, reconhecendo que Deus a ama e vê nela algo que também vem de si mesmo. Reconhecer-se como menor que a natureza é imprescindível para o ser humano. O próprio relato da criação mostra que o ser humano necessitou que todas as coisas fossem criadas antes para que ele pudesse ser criado, o que revela que, como bem aponta Moltmann, não somos os seres superiores e os melhores da criação, antes, somos os últimos e mais dependentes de todas as outras coisas para continuarmos sobrevivendo. Acabar com a natureza é acabar com o ser humano e com os animais, visto que não conseguimos viver um dia sequer sem os recursos naturais tão abundantes em nossa terra.

Diante disso, a luta pelo meio ambiente se transforma em luta cristã e mostra-se como tarefa daqueles e daquelas que compreenderam que estamos nesse mundo para exercermos a mordomia diante daquilo que nos foi confiado. O primeiro ser humano, que vem do barro, conforme a mitologia bíblica afirma, também revela essa conotação de que somos feitos da terra, e dela recebemos o nosso sustento e, assim, somos totalmente dependentes do meio ambiente. Da mesma forma, a mesma narrativa coloca o primeiro humano como o jardineiro que deveria cuidar daquele lugar onde foi posto.

Por isso, a destruição da Amazónia é questão teológica sim, e teólogos e teólogas têm o dever de lutar contra isso, propondo também alternativas para a conservação da natureza e para a crise ecológica que se abate sobre a sociedade. Não fazê-lo é se mostrar conivente e, automaticamente, tomar uma posição política em favor dos que destroem a nossa casa comum.

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*Fabrício Veliq é protestante e teólogo. Doutor em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Belo Horizonte (FAJE), Doctor of Theology pela Katholieke Universiteit Leuven (KU Leuven), Bacharel em Filosofia (UFMG) E-mail: fveliq@gmail.com

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