Uma pesquisa feita em 26 países em 2018 mostra que há uma concordância mundial de que as mudanças climáticas são um risco real.
O medo de ameaças nucleares passa longe do topo da lista de maiores preocupações da geração actual nos EUA. A saída do país do Tratado de Proibição de Mísseis Intermediários (INF), um dos acordos de redução de armas nucleares mais bem-sucedidos da história, não mudou a perspectiva dos americanos.
Uma pesquisa do Pew Research Center, feita em 26 países em 2018 mostra que há uma concordância mundial de que as mudanças climáticas são um risco real. Em 13 dessas nações, mudanças climáticas são a primeira das ameaças globais. Em oito delas, o terrorismo ligado ao Estado Islâmico é a principal. Os ciberataques aparecem como grande temor em quatro países e em um deles o medo maior é da influência russa.
O temor a uma ameaça nuclear vinda da Coreia do Norte não está em primeiro ou segundo lugar em nenhum dos países – nem mesmo na vizinha Coreia do Sul. Outros institutos de pesquisa, como o Gallup, confirmam que a ameaça nuclear não chega ao topo da lista das preocupações recentes quando se fala em questões mundiais.
Deverrick Holmes, de 28 anos, graduado em história, se preocupa com o fato de sua geração não temer uma guerra nuclear – o que o levou a publicar um manifesto sobre o assunto para o Centro para Controle e Não Proliferação de Armas. “Certamente estudar história abriu meus olhos sobre o que aconteceu no passado. Não há uma garantia de que uma guerra nuclear nunca acontecerá. Infelizmente, não acho que os mais jovens e as pessoas da minha geração se importam com isso, provavelmente porque não está nas manchetes o tempo todo. Há outras questões que as pessoas da minha idade se importam mais, como mudança climática”, afirma Holmes.
Com o tratado INF em vigor, a assinatura em 2010 do New Start e sem ter nunca visto o uso de uma arma nuclear, a geração de Holmes cresceu com a sensação de que o problema estava resolvido. Na visão do historiador, o maior problema é a falta de engajamento. Segundo ele, se houvesse maior consciência da sociedade sobre os riscos de um ataque nuclear, provavelmente os EUA seriam mais pressionados a não deixar o INF.
No site Bulletin of The Atomic Scientists, Chapin Boyer, morador da Califórnia, descreve as razões pelas quais acha que sua geração não se importa com as ameaças nucleares. “Pode ser impossível dar a minha geração o contexto para temer armas nucleares, mas não é impossível ensinar minha geração e vincular esse conhecimento ao que nos interessa. Dizemos que nos preocupamos com o meio ambiente, por exemplo, mas como uma pessoa pode se chamar ambientalista e não reconhecer os perigos que as armas nucleares representam para o mundo natural?”, questiona Boyer.
Holmes tem uma preocupação concreta: que a falta de engajamento provoque novos retrocessos na não proliferação de armas. “Me preocupo com o fato de a minha geração não se importar com isso, porque o Congresso só age quando acha que as pessoas acompanham um assunto”, diz ele.
Dois anos mais velho, o economista Cameron Harwick, que mora no Estado de Nova York, discorda. Segundo ele, o benefício de ter armas nucleares é maior do que o risco. “Sou bastante grato pelos benefícios de ter as armas e a sua ameaça, que são maiores do que o risco de que elas sejam usadas. Antigamente, a única coisa que faria dois países não entrarem em guerra seria a distância, que não importa mais. Hoje temos mísseis, drones, aviões. Se esperaria mais guerras, mas é uma era de extrema paz” diz Harwick.
Impressão contrária
John Mueller, pesquisador do Cato Institute e da Ohio State University, ainda vê muito alarmismo nas preocupações actuais. “As pessoas continuam preocupadas com armas nucleares e não acho que deveriam estar. É mais baixa (a preocupação) do que era nos anos 1980, quando o medo de uma guerra nuclear era a maior preocupação da sociedade”, afirma ele.
“Há 75 anos as pessoas falam sobre isso e dizem que é necessário controlar essas armas, e nada aconteceu. O problema é que as pessoas ficam falando e se aterrorizando sobre isso”, completa o pesquisador. Em artigo publicado na revista Foreign Policy, Mueller defende que “compreender o impacto real” das armas nucleares e seu contexto permitirá a formuladores de políticas “ver as questões nucleares” de outra maneira. “Isso significaria trabalhar com a Coreia do Norte para estabelecer uma condição normal na região e se preocupar em reduzir suas capacidades nucleares posteriormente”, afirma.
Para Strobe Talbott e Maggie Tennis, do instituto de pesquisa Brookings, à medida que o governo de Donald Trump aumenta investimentos em armamentos para fazer frente ao que considera ameaças vindas da Rússia ou da China, também contribui para “corroer” um sistema de restrições e limitações. “As políticas de Trump prejudicaram os acordos de controle de armas e de não proliferação que regulam essas ameaças”, afirmam.
Rotina de treinamentos
A propaganda americana nos primeiros anos da Guerra Fria tinha uma missão cívica: convocar os cidadãos para treinos obrigatórios de corrida a abrigos em caso de ataque nuclear. O temor deveria ser suficiente para engajar a sociedade, mas não a ponto de fazer os americanos concluírem que não estavam a salvo em caso de uma explosão atómica.
A rotina de exercícios e construção de abrigos se espalhou pelos EUA, mas foi mais intensa em algumas cidades. Uma delas foi Washington, que deveria ser o símbolo nacional de preparação para um ataque nuclear e de um plano para que servidores federais continuassem trabalhando, mesmo no cenário mais adverso.
“Washington deveria ter o melhor programa, para servir de exemplo para as outras cidades”, afirma David Krugler, historiador e autor do livro This is only a Test: How Washington D.C. Prepared for Nuclear War (“Isso é apenas um teste: como Washington D.C. se preparou para a guerra nuclear”, em tradução livre). “Especialmente durante o governo de (Dwight) Eisenhower esses planos incluíam estabelecer locais remotos próximos da capital, mas fora do alcance de uma explosão, para que servidores federais continuassem trabalhando. E, por último, havia o sentimento de que se Washington estivesse preparada seria um sinal de que toda a nação estava preparada. Então, era útil promover Washington como local de defesa civil”, afirma Krugler.
Os planos de retirada eram mais do que uma preparação real, eram uma gestão de imagem. Em 1955, o governo americano chegou a simular um plano de retirada simultânea em 61 cidades. A primeira etapa da preparação foi por incentivo para que os cidadãos aprendessem a lidar com remédios e atuar como enfermeiros, no caso de ataque. Depois, começaram os treinamentos obrigatórios.
“É importante lembrar que nos locais onde as pessoas treinavam, em Washington ou Nova York, não havia chance de sobreviver a um ataque nuclear da União Soviética. Mas as pessoas eram convocadas a fazer esse tipo de treinamento”, explica o historiador.
Em Washington, havia simulação para civis e outra para servidores do governo, que treinavam a ida a abrigos. “Era uma forma de mostrar que o governo estava preparado para uma guerra, ainda que não desejasse que isso acontecesse. A ideia era a de que, se a União Soviética soubesse que estávamos preparados, poderia se tornar menos propensa a atacar”, diz Krugler.
Para ele, Eisenhower sabia das falhas nos planos de proteção da sociedade civil. “Por isso ele escreveu o quão assustadora a possibilidade de uma guerra nuclear era, que a única forma de sobreviver era nunca se envolver em uma.”
No início dos anos 60, espalhou-se nos EUA a ideia de abrigos contra os efeitos radioactivos. “Tenho certeza de que nenhuma cidade nos EUA manteve o programa de abrigos depois dos anos 70” afirma. Parte dos locais, com mantimentos para que famílias fossem capazes de permanecer por algum tempo, sobrevivem até hoje, abandonados. Em baixo de uma escola no bairro de Adams Morgan, em Washington, um abrigo permanece intacto, ao fim de um longo corredor de concreto, no porão do prédio. “É tão difícil chegar até ele que os mantimentos foram deixados lá”, afirma o pesquisador.
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in Agência Estado
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