‘A Eucaristia é central na vida cristã’, disse Taborda, e lamentou o fato de muitas comunidades na Amazônia receberem a Eucaristia no máximo quatro vezes por ano.
Papa Francisco chega em um coliseu em Puerto Maldonado, a cidade considerada uma porta de entrada para o Amazonas na província de Madre de Dios, Peru, para se reunir com vários milhares de indígenas no primeiro dia da visita do pontífice ao país em 2018. (L’Osservatore Romano Vatican Media/Pool Photo via AP)
Por Elise Harris*
Quando o Sínodo dos Bispos da Amazônia for realizado em outubro, a possibilidade há muito debatida de ordenar homens maduros e casados ao sacerdócio em áreas onde há falta de padres será posta sobre a mesa, segundo um teólogo brasileiro.
Em conversa com o site Crux, o padre jesuíta Francisco Taborda, professor de teologia na Faculdade Jesuíta de Belo Horizonte e autor de inúmeros livros sobre os sacramentos, disse que um dos principais desafios pastorais na região amazônica é o acesso à missa, especialmente para populações indígenas que muitas vezes vivem em áreas rurais que são difíceis de alcançar.
“A Eucaristia é central na vida cristã”, disse Taborda, e lamentou o fato de muitas comunidades na Amazônia receberem a Eucaristia no máximo quatro vezes por ano, o que é “um problema muito grande”.
“Há uma escassez de padres”, disse, acrescentando que isso pode levar “a repensar como isso pode ser feito para que toda comunidade (…) possa celebrar a Eucaristia de domingo”.
Perguntado se esse “repensar” incluía a ordenação dos chamados viri probati, ou seja, homens maduros e casados que sejam fortes em sua fé e que normalmente seriam considerados candidatos a serem ordenados diáconos, Taborda disse: “É disso que se trata”.
“Na análise final, a solução que poderia ser vista é essa”, disse, explicando que o tema será abordado na Sala do Sínodo.
Na viagem de volta da Jornada Mundial da Juventude no Panamá, o Papa Francisco expressou abertura à ideia, dizendo aos jornalistas que, embora acredite que o celibato sacerdotal “é um dom para a Igreja” e “não está de acordo” com torná-lo opcional, isso poderia ser considerado como uma possibilidade em áreas onde há uma necessidade pastoral.
Dando como exemplo as Ilhas do Pacífico, o papa disse: “É algo para se pensar. Quando há necessidade pastoral, o pastor deve pensar nos fiéis”. Isto é, caberia ao bispo local tomar a decisão com base nas necessidades de sua diocese.
Taborda disse que, em sua opinião, Francisco não fez referência à Amazônia porque, com o Sínodo se aproximando, “isso poderia levar os bispos do Sínodo a se sentirem menos livres para tomar uma decisão”.
Agendado para os dias 6 a 27 de outubro, o encontro de bispos abordará o tema “Amazônia: novos caminhos para a Igreja e para uma ecologia integral”.
Taborda estava entre os principais conferencistas do seminário de estudo sobre o Sínodo entre os dias 25 e 27 de fevereiro, que contou com a participação não só da autoridade vaticana responsável pelo Sínodo dos Bispos, o cardeal italiano Lorenzo Baldisseri, mas também de outros nomes importantes da região, como o cardeal brasileiro Claudio Hummes.
Outra questão que Taborda disse que provavelmente surgirá durante o Sínodo é a possibilidade de substituir o pão usado na consagração da Eucaristia pela yuca – um arbusto nativo da América do Sul que é comumente cultivado como uma cultura anual em regiões tropicais, onde é comum comer a raiz da planta.
A razão para propor a mudança, disse Taborda, é porque o pão normalmente usado nas missas de rito latino se transforma em um mingau pastoso durante a estação chuvosa da Amazônia, devido à intensa umidade, o que significa que “não é pão e, se não é pão, não é Eucaristia”.
“Na Amazônia, o pão é feito de yuca”, afirmou. E, embora mudar o material usado na Eucaristia seja “uma questão muito complexa”, ele acredita que isso deveria ser decidido pelos bispos locais e provavelmente será mencionado durante a discussão de outubro.
As tensões entre a Igreja Católica e o governo populista de direita do presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, vêm esquentando nos últimos dias, já que oficiais militares acusaram os bispos participantes do Sínodo de pressionar por uma “agenda esquerdista”.
De acordo com uma reportagem do dia 10 de fevereiro publicado no jornal O Estado de São Paulo, os militares veem a Igreja “como potencial opositora” e querem “neutralizar” qualquer crítica ao governo que possa surgir do Sínodo.
O general Augusto Heleno, ministro-chefe do Gabinete de Segurança Nacional e estreito assessor de Bolsonaro, disse que há uma forte preocupação com o Sínodo, já que “há muito tempo existe influência da Igreja e ONGs na floresta”.
O trabalho do governo, disse Heleno, é “fortalecer a soberania brasileira e impedir que interesses estranhos acabem prevalecendo na Amazônia”.
O conflito sobre o território e a presença de empresas internacionais na região amazônica tem sido há muito tempo um ponto delicado, já que muitos atores internacionais procuram estabelecer uma presença a fim de coletar os recursos da região.
Falando das críticas do governo, Taborda chamou a administração de Bolsonaro de “absolutamente incapaz” e enfatizou que a Amazônia “não é propriedade de um país, nem de oito ou nove países. É uma questão global”.
Outro problema que está separando o Vaticano e Bolsonaro são as mudanças climáticas, que tem sido um item importante da agenda do Vaticano dos últimos quatro anos, mas que, para Bolsonaro, não é prioridade.
O governo, disse Taborda, “compartilha a posição de Trump sobre o clima”, algo que o próprio Bolsonaro disse durante sua campanha – embora ainda não tenha desistido do Acordo do Clima de Paris.
O governo de Bolsonaro afirma que “a questão climática é marxismo cultural”, disse Taborda, acrescentando que “isso é algo totalmente sem sentido”.
Crux/ IHU – Tradução: Moisés Sbardelotto
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