A direita, a esquerda e os dias de amanhã

Com António Costa completou o PS, nos últimos 26 anos, 18 anos de governação do país; o PSD governou durante 8 anos. Habituados estamos pois nós a ser governados pelo centro político que disputa a liderança do governo contestado à direita e esquerda pelas franjas radicais do Chega e do BE.

Na análise à aritmética eleitoral verifica-se a estrutural maioria de centro-esquerda e a quebra do centro-direita, numa tendência que se mantém, muito longe da conseguida pela ex-Aliança Democrática.

Esta tendência suporta-se na ambiência cultural vigente onde os valores da democracia, do desenvolvimento social, dos direitos sociais e laborais e das liberdades individuais, – sendo de facto assumidos pela maioria esmagadora da população portuguesa- têm reconhecimento na opinião pública como sendo de “esquerda” por oposição “à direita” que se deixou cair na armadilha da economia pura transformando a política num narrativa contabilística.

Salário: o símbolo da suprema grandeza

A direita e a esquerda não se poderiam encontrar na discussão do salário, ele que é o símbolo da suprema grandeza? Promover a justa remuneração do trabalho visando, ao mesmo tempo, o fortalecimento dos capitais dos empregadores constitui a plataforma que importa proteger e motivar, no respeito pela lei geral.

Discutimos assuntos de sempre que nos distraem do essencial: a estabilidade familiar e individual dos eleitores que esperam do Estado que são e do governo que elegem a atenção eficaz às surpresas dos dias e um planeamento estrutural das suas funções fundadoras.

Os resultados eleitorais dos últimos 26 anos mostram que os portugueses entendem que estes valores são acautelados pelo centro-esquerda. Mas por que se entende que o centro-direita não defende estes mesmos valores?.

Os queques dos liberais

Voltando à entrevista de António Costa, referiu ele “os queques dos liberais” gerando indignação (momentânea) nos comentadores. Mas o primeiro-ministro tem razão. Por que não haveria o líder do PS destilar o seu “bafio” por teses políticas nascidas no século XVII, radicadas no indivíduo como portador de direitos num desprezo pelo Estado que o protege?

Acontece que no século XXI, a promoção e defesa dos valores humanos (entre os quais o da liberdade) faz-se no contexto do desenvolvimento comunitário o que implica uma atenção a todos os participantes da sociedade e por isso da economia e onde se incluem aqueles que ela vomita ciclicamente.

Os (ainda) liberais de hoje esquecem que suportam nos seus argumentos os sustentáculos do financeirismo, essa gramática do capitalismo puro que gerando movimentos próprios e incontroláveis por quem nos governa, provoca as maiores calamidades mundiais sem que se conheça quem delas beneficia.

Na política moderna exige-se hoje consciência social. Ainda bem que os eleitores o exigem e por isso, à cautela, dispensam do governo os liberais de direita e os liberais de esquerda que disputam entre si a forma de falar (foi António Costa que disse), de vestir, de respirar. Tudo coisa chique!

O caminho da direita

Se os eleitores são os mesmos, como pode o centro-direita recuperar o poder? Mudar de povo não dá, daí que o regresso aos valores fundacionais da civilização actual seja o recomeço de um caminho que tendo sido percorrido foi abandonado progressivamente.

E tudo começou em Braga, com a fulgurante vitória de Paulo Portas ao enterrar a “democracia cristã” do CDS e ao proclamar a aventura do partido “popular”: abraçada a narrativa “liberal” (sempre ela a mexer como se de uma comichão se tratasse…) novos mundos foram prometidos com um futuro que se sabe como acabou.

Como se sabe, ou sabia, a democracia-cristã apresenta-se como ideologia política, normalmente de centro-direita na esfera dos costumes e de centro-esquerda em assuntos económicos e laborais, que defende democraticamente os ensinamentos e princípios cristãos como o personalismo (a pessoa, seus direitos e deveres no centro da decisão e não o Estado no seu lugar), o humanismo (o  factor humano essencial na escala da importância, no centro do mundo) e a solidariedade (a circunstância da pessoa humana viver em comunidade e de aí ser feliz nos diversos modelos de pertença).

Estes valores foram esbatidos pela chamada “democracia de sucesso” – tempo do “Cavaquistão” – que na teoria do “eucalipto de gravata” tudo secou à volta revendo-se numa folha de excel. E as pessoas, Senhor?

Os dias de amanhã

Não sabemos como vão ser, nem o descortinamos nas fissuras das nuvens que nos tapam o céu azul. Talvez precisemos de uma “cunha universal” a meter aos nossos líderes partidários, pedindo-lhes que nos momentos de escolha tenham na emoção dos olhos a felicidade que os nossos filhos e netos merecem.

Eles precisam de experimentar a alegria de viver, na sua terra, para acreditarem que, no seu tempo e história, há esperança: no salário justo, na solidariedade entre gerações, na liberdade de voar como as andorinhas – sem destino marcado na procura das aventuras do tempo.

Por Arnaldo Meireles

A direita, a esquerda e os dias de amanhã

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