Os Velhos tornaram-se bens descartáveis. O foco do problema contrariamente ao que se diz, não assenta exclusivamente nas responsabilidades familiares. O essencial do problema tem haver sobretudo com a nossa responsabilidade singular face ao projeto da nossa Vida , da “evolução” dos tempos e das mudanças de vida social, ainda , de um Estado que não delega com sentido responsável, descartando-se por meios das IPSS.
A velhice e o definhar até que a morte nos leve é um tema que a todos devia preocupar, tão importante como o nascer, crescer e ganhar saberes para enfrentar a vida em toda a sua dimensão. Caminhar para a morte é uma bênção na vida porque se chegou a Velho. O percurso da vida que nos leva à idade avançada onde o corpo deixa de poder corresponder à dinâmica da vida ativa não pode de modo algum servir de pretexto que permita os nossos Velhos terem que passar por um sem numero de obstáculos que os reduzem a seres humanos descartáveis, é exatamente o que a sociedade de hoje oferece às pessoas de idade avançada, passando pelo apoio oficializado ou familiar, constatando-se que nem um e nem outro está a ter a possibilidade ou capacidade adequada para dar às pessoas Velhas o essencial para chegar ao fim da vida com a devida dignidade e alguma felicidade, devendo ser o alvo prioritário para todos os seres humanos. Enxergar a realidade dos Velhos, nestes novos tempos, procurando mudar o que se instalou salvaguardando aspetos fundamentais do direito ao respeito pela individualidade da pessoa Velha é assunto da maior importância.
Não temos que dar culpas às entidades que albergam gente Velha,(além de meras exceções), mas sim a todos nós que nos habituamos a delegar o que também é da nossa responsabilidade. Não podemos e nem devemos continuar a alimentar a hipocrisia onde tudo parece estar em conformidade, por exemplo, quando a pessoa de idade avançada é encaminhada para um lar, ou quando se torna uma incumbência na família, é porque a sua persona precisa de apoio de terceiros, por vezes muito antes de chegar a um estado total de dependência, já a pessoa é remetida para um lar, ou seja, quando o Velho está em situação de vitalidade debilitada, ainda capacitado de orientar e seu dia a dia com poucos cuidados assistidos embora necessários, a pessoa não devia de estar enclausurado num local com dinâmicas despersonalizadas e genéricas.
O sistema social por intermedio da IPSS, já começou a ajudar as famílias, indo ao terreno, esse é o processo certo embora ainda muito incompleto, sendo que os primeiros passos estão dados.
Certo é, que chegar a velhos não é para todos. Para todos eles, impõem-se direitos que nos dias de hoje lhes são negados.
Temos que rever tudo o que se perdeu no caminho da ” evolução “. O foco do problema não assenta exclusivamente na responsabilidade familiar, a reflexão que todos devemos assumir tem haver sobretudo com a nossa responsabilidade singular face ao projeto da nossa vida enquadrada no que a sociedade nos impõe. Quando nos centramos nas nossas pessoas, percebemos que na verdade não somos assim tão diferentes uns dos outros, e ainda todos dependemos uns dos outros e quando chegamos à velhice comprova-se e de que maneira como o outro nos é indispensável. Mas é só isso… o corpo perde a sua vitalidade. Habitualmente amamos parvamente falar arbitrariamente sem interiorizar os nossos próprios sentires e as nossas responsabilidades singulares, escondemos de nós a velhice e a morte. No entanto o fim deve ser tão acarinhado como o princípio.
Ganhamos o estatuto de velho aos 65 anos. Quando lá chegamos em regra geral ainda não pensamos por onde iremos nos encostar, deixamos isso para um dia mais tarde… depois com ou sem os filhos logo se pensa no assunto, ou então os filhos farão o que assim acharem melhor. Certo é que os filhos, estão cada vez mais indisponíveis para assistir aos pais ou aos avós, uma vez que a vida familiar de hoje não é de um todo semelhante à do passado, diferenciando-se as questões habitacionais, trabalhistas, ainda todos os hábitos ocupacionais que as pessoas em plena idade ativa ganham como rotinas de vida. As famílias vivem muito tempo fora de casa, com horários e dias repletos de afazeres. A vida contemporânea não tem nada haver com o tempo dos nossos avós. Os tempos mudaram e a vida dos velhos prolongou-se com mais saúde.
Sabemos que as motivações humanas também se estão transformando dia a dia a grandes passos promovendo aos idosos outras vontades e oportunidades de viver e conviver
Todos nos habituamos a viver representados por quem governa um país, mais ou menos confiantes, temos vindo delegando o que devia de ser antes do mais uma responsabilidade individual. Eventualmente pode parecer que existe um mecanismo eficiente que soluciona as questões de vivencia de todos nós. Ora até poderia ser eficiente se o sistema não estivesse pervertido institucionalmente. Hoje em dia ou há dinheiro para sustentar a velhice, quando se faz apelo aos lares, ou há família disponível que corta com tudo o que envolve a sua vida para cuidar dos seus Velhos, é certo que neste caso devemos ter em consideração a situação moral familiar, para uns é possível, para a maioria totalmente impossível. Ora, temos os lares privados ou as Santas Casas da Misericórdia.
Quando digo que o sistema institucional está pervertido refiro-me exatamente ao facto de: “As IPSS têm o dever moral de justiça e de solidariedade, contribuindo para a efetivação dos direito sociais dos cidadãos, não sendo administradas pelo Estado ou por outro organismo público, os objetivos das IPSS concretizam-se mediante a concessão de bens, prestação de serviços e outras iniciativas de promoção do bem-estar e qualidade de vida das pessoas, famílias e comunidades”.
Mais uma vez o Estado encontra nestes organismos o meio de se descartar de uma responsabilidade social que não se pode limitar à fraca participação subsidiária do Estado.
É dever do Estado ter a preocupação de permitir e incentivar novas modalidades de vivência para os Velhos de hoje.
A precaridade social e assistencialista dos Velhos desta geração é como tudo o que tem haver com a sociedade em geral, há falta de intervenção cívica que defendam as causas da vida humana.
No que diz respeito à sociedade civil impõe-se proatividade. De bebé, criança, jovem a velho o tempo desta geração passa por nós como se fossemos um produto social coletivo impensante, parecendo que só temos que seguir o itinerário que vai sendo planeado mediante as nossas capacidades individuais que devem obedecer ao padrão estereotipado, como se a matriz social fosse quase perfeita ou integrasse o melhor que se pode fazer. Não é verdade! Todo o sistema está errado, certo é, que não aprendemos a desenvolver valores proativos que sirvam a vida na sua plenitude e a vida no seu fim. Uma aprendizagem obrigatória, impondo-se uma revisão de hábitos e costumes incluindo o papel das IPSS. Os tempos mudaram.
Tudo a refazer reavaliando as experiências, boas e más práticas que nos levaram a este tempo de valores duvidosos e inconsequentes, a consciência da nossa existência está a ser levada para dimensões onde o sentir humano do afeto e do amor se está perdendo. Muito há a fazer, implicando critérios de avaliação e propostas de alterações. Não temos que deixar institucionalizar as nossas vidas… atenção! As nossas vidas estão a ficar vazias do direito à nossa singularidade, cada vez somos mais catalogados e mal-amados. Os mais vulneráveis ficam nas mãos alheias de quem se descarta da responsabilidade que dá direito à identidade.
A condição humana deve nos inquietar, e não pode nos passar ao lado. A falta de centralidade na equidade dos valores da vida humana confrontados com as práticas institucionalizadas deve estar no centro das nossas atenções, não podemos de um todo delegar as nossas Vidas Velhas a um sistema que se prepara cada vez mais para desembaraçar-se dos Velhos sobretudos aqueles que vivem limitados por um curto orçamento. Além dos Velhos ,as Crianças também estão a serem vitimas de um modo e trato institucional que a todos nos deve inquietar.
Verifica-se a necessidade da sociedade em geral tornar-se mais proativa, também se constata que o valor humano dos mais fracos está a ser desprestigiado e abusadamente servindo uma elite organizacional que não pergunta o que faz falta para ajudar, preferindo usurpar a debilidade de pessoas e famílias para dar solvência institucional, naturalmente é sabido que ceras instituições como a Santa Casa da Misericórdia priorizam quem pode pagar, um contrassenso face às normas estatutárias, um fechar de olhos do Estado que também perde legitimidade pelo facto da fraqueza do seu subsidio e da cobardia da sua ausência em não projetar a atualização e incentivar as normas e distribuições dos dinheiros da S.C.M. Bem sei que este assunto é muito delicado, poucos são aqueles que o abordam sobretudo na relação com a criança ainda se torna mais melindroso.
Imagem: Van Gogh – Velhice – Criança