A CNIS entrou em negociações com os grupos parlamentares no sentido de garantir a inclusão no texto constitucional da “protecção social” como direito fundamental. A delegação da Confederação constituída por Alfredo Cardoso e Filomena Bordalo reuniu no Parlamento com o PSD e o PS, Chega, BE e Livre estando previstos encontros com outros partidos. Estas negociações, demoradas e complexas, são essenciais para garantir à sociedade portuguesa uma democracia plena e efectiva que garanta no texto fundamental novas situações sociais que se impõem aos portugueses, neste momento.
O que pretende a CNIS?
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O que é a constituição?
A Constituição é o documento que estabelece o Estado, sendo, portanto, parâmetro para todas as demais legislações e entendimentos jurídicos com vigência no Estado constituído. É assim em sede de discussão constitucional que a questão da CNIS tem de ser derimida.
Pretende-se que a lei fundamental e suprema de um Estado, que contém normas referentes à estruturação do Estado, à formação dos poderes públicos, forma de governo e aquisição do poder de governar, distribuição de competências, direitos, garantias e deveres dos cidadãos tenha em consideração esta questão integrando-a no “estatuto jurídico fundamental da comunidade”.
A reivindicação da CNIS parte da situação social do país onde se verifica a institucionalização de novos costumes e tendências sociais perigosas que colocam em causa outros direitos fundamentais dos portugueses, sobretudo dos mais idosos mas também os mais pobres, sobretudo os novos pobres.
Acontece que a revisão da constituição não é alheia às suas fontes de direito e que são, como sempre foram, os costumes, a jurisprudência, a doutrina, o direito natural e a própria Constituição.
Perante a situação social actual e futura (no que é possível prever) pede a CNIS atenção para a necessidade de consagrar a “protecção social” como direito fundamental na Constituição dado que compete a esta servir aos poderes o âmbito da sua acção, nomeadamente apontando os “limites dos poderes do governo nas mãos dos governados, de modo a resguardá-los do arbítrio”
Constituição – sentido sociológico
Segundo Ferdinand Lassalle, existem fundamentos sociológicos das Constituições, que são os fatores reais de poder. Ou seja, a Constituição seria a soma dos poderes económicos, políticos, religiosos, militares e qualquer outro que esteja presente em uma nação, nesse aspecto a Constituição seria um facto social.
Constituição – sentido político
Segundo Carl Schmitt, a Constituição é uma decisão política fundamental. Ou seja, ela é o resultado da vontade política do Poder Constituinte originário.
Constituição – o sentido jurídico.
Hans Kelsen defende essa ideia e afirma que a Constituição é um conjunto de normas jurídicas fundamentais para que o Estado se estruture. Ou seja, a Constituição seria uma norma jurídica pura. Também defende que a sua força normativa conduz o processo político e serve como fundamento de validade das normas. A constituição estaria no ápice do sistema jurídico.
Cidadania – processo em construção
A cidadania compreende todos os direitos e obrigações de natureza política do povo. Valério de Oliveira Mazzuoli, na obra “Direitos humanos, cidadania e educação”, assinala:
“A cidadania é um processo em constante construção, que teve origem, historicamente, com o surgimento dos direitos civis, no decorrer do século XVIII – chamado Século das Luzes –, sob a forma de direitos de liberdade, mais precisamente, a liberdade de ir e vir, de pensamento, de religião, de reunião, pessoal e económica, rompendo-se com o feudalismo medieval na busca da participação na sociedade”.
A concepção moderna de cidadania surge, então, quando ocorre a ruptura com o ancien régime absolutista, em virtude de ser ela incompatível com os privilégios mantidos pelas classes dominantes, passando o ser humano a deter o status de “cidadão”, tendo asseguradas, por um rol mínimo de normas jurídicas, a liberdade e a igualdade, contra qualquer atuação arbitrária do então Estado-coator”
Princípio da dignidade da pessoa humana
Já a dignidade da pessoa humana é um princípio que repercute sobre todo o ordenamento jurídico sendo mesmo a base da Constituição.
Assim, espera-se, antes de mais nada, que a dignidade da pessoa humana seja respeitada, pois é inerente a todo cidadão; ou seja, é o verdadeiro pressuposto de democracia.
Na obra “Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição”, o autor brasileiro Ingo Wolfgang Sarlet explica que:
A relação entre a dignidade da pessoa humana e as demais normas de direitos fundamentais não pode, portanto, ser corretamente qualificada como sendo, num sentido técnico-jurídico, de cunho subsidiário, mas sim caracterizada por uma substancial fundamentalidade que a dignidade assume em face dos demais direitos fundamentais.
É nesse contexto que se poderá afirmar, na esteira de Geddert-Steinacher, que a relação entre a dignidade e os direitos fundamentais é uma relação sui generis, visto que a dignidade da pessoa assume simultaneamente a função de elemento e medida dos direitos fundamentais, de tal sorte que, em regra, uma violação de um direito fundamental estará sempre vinculada com uma ofensa à dignidade da pessoa.”
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Protecção social e revisão da constituição
Em Portugal, após sete revisões constitucionais, a proteção social continua a ser garantida nos mesmos termos em que foi concebida na sua génese: como um sistema de seguro social, válido para trabalhadores e para as suas famílias, em momentos em que estes se encontrem involuntariamente afastados do mercado de trabalho.
É esta situação jurídica que a CNIS quer mudar avançando para a necessidade de reconhecer a protecção social como direito fundamental, pois se entende que as tensões sociais actuais e futuras que afectarão sobretudos os mais velhos e os pobres os colocarão num leilão eleitoral pouco apetecível para as gerações mais novas, motivadas que serão pelos extremismos políticos, de modo a identificá-los com a etiqueta da exclusão e repressão.
Lembremos algumas questões, as primeiras…, de contestação ao RSI a as preocupações e contestações que já se conhecem e levou o TC a pronunciar-se.
Em 2002, chamado a pronunciar-se sobre o RSI, o Tribunal Constitucional (TC) considerou que um corte desta prestação seria inconstitucional, dado que violava o “direito a um mínimo de existência condigna inerente ao princípio do respeito pela dignidade da pessoa humana” (Acórdão do TC n.º 509/02)
A maturação do sistema
A maturação do sistema é uma característica distintiva da democracia e, por isso, a protecção social tem sofrido uma profunda transformação institucional, política e económica.
Com a transição para a democracia, a arquitetura do estado social português alterou-se muito, com implicações materiais de grande alcance. Mas a actual situação pede que se avance mais.
A população portuguesa é a que está a envelhecer a um ritmo mais acelerado no conjunto dos 27 Estados-membros da União Europeia (UE), segundo o Eurostat. Em 2022, metade da população portuguesa tinha mais do que 46,8 anos de idade, a segunda idade mediana mais elevada no conjunto dos países analisados.
Implicações
Sobre a redistribuição ao longo do ciclo de vida: tendo em conta a evolução projetada das taxas de substituição decorrentes das alterações à fórmula de cálculo das pensões (reformas de 2002 e 2007), bem como o aumento da longevidade, como é que será possível garantir um nível adequado de pensões de velhice para os futuros pensionistas, equilibrando preocupações de sustentabilidade, equidade intergeracional e atendendo às expectativas legitimas dos atuais contribuintes?
Sobre a sustentabilidade financeira: quais são as condições para alargar a base de financiamento do regime previdencial, diversificando as fontes e preservando os princípios do seguro social, aliás não só constitucionalmente consagrados como tendo sido reforçados pela jurisprudência do Tribunal Constitucional?
Qual a margem para expandir a rede de mínimos sociais, assente na condição de recursos e em prestações diferenciais, e de que forma esta expansão obriga a repensar a organização dos complementos sociais, assim como a própria pensão social?
De que forma deve evoluir a relação entre estado e 3.º setor na promoção de respostas sociais, designadamente nos serviços prestados à família, e que tipo de contratualização do financiamento e de regulação pública deve ser desenvolvido?
Cfr https://journals.openedition.org/spp/2613
Tendo em consideração o caminho a fazer de uma democracia legal para uma democracia plena, dadas as circunstâncias do crescimento do número dos mais velhos, a indisponibilidade de compromisso comunitário dos mais novos, a permanência de vastos sectores na pobreza (antiga e nova), o crescimento dos extremismos no país que acentuarão o egoísmo entre gerações, conclui-se como medida cautelar que considerar a “protecção social” como direito fundamental passou a ser uma necessidade estrutural que permita ao Estado legislar em defesa dos mais frágeis e definir as balizas da futura legislação que se adivinha chegue com tentativas de restrição.
O legislador de amanhã precisa de encontrar na Constituição alicerces, suficientemente esclarecedores, para proteger os portugueses sobretudo aqueles que poderão ser os futuros novos excluídos por legislação avulsa decorrente de oscilações partidárias inimigas da democracia.
No momento do conflito, não bastará dizer que a “protecção social” é um direito implícito no direito “à segurança social” e “saúde”. O direito fundamental à protecção social precisa de ser defenido e determinado para sustentar legislação específica que vai ser preciso fazer no futuro. E oxalá não fosse preciso, mas infelizmente vai!
Por Arnaldo Meireles
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