Conservas fora de prazo!

O artigo Clericalizacao da CNIS provocou uma série de reacções, muitas delas ofensivas que não nos surpreendendo nos motivam a voltar ao assunto no sentido de esclarecer (quem ainda precisa) quanto ao autor e director deste jornal.

Compreendo os insultos porque sei de onde vêm. E a esses esclareço que sou filho de duas mães, a minha querida Josefina e a minha estimada Igreja do Porto que me ensinou a trazer à palavra aquilo que interessa assinalar, em cada momento, na defesa dos valores que me habitam. Assim, portanto, desde pequenino.

Na minha vida profissional, iniciei a actividade jornalística na Rádio Renascença e a minha primeira reportagem foi a assembleia geral constituinte da UIPSS – União das Instituições Particulares de Solidariedade. Apoiei esta “União” durante 18 anos, num trabalho que fala por si e não necessita esclarecimentos.

O descalabro da Televisão da Igreja

Durante sete anos e desde o primeiro dia, estive nesta empresa e projecto que envolveu o investimento de muitas instituições eclesiais e o entusiasmo de muitos líderes religiosos; conheço, porque participei nele, todo o processo de angariação e aumento de capital da empresa.

O início das emissões foi marcado por uma proposta inovadora, arrojada, quanto aos conteúdos e método de trabalho e sabíamos que o share de 8 a 12% era atingível e garantiria o dinheiro lá investido pelas organizações eclesiais.

No fim do primeiro trimestre de emissão, verificou-se que o Conselho de Administração (sobrevivo!) estava acompanhado por um conjunto de colaboradores “muito católicos” e, graças a Deus, “conservadores” empenhados numa televisão de “inspiração cristã” – no que estávamos todos de acordo!

Entre discussões de “inspiração cristã” e “transpiração de televisão” tornou-se evidente que a programação (e não, felizmente a informação) ficou refém da análise dos beatos de sacristia que começaram por contestar o programa de maior audiência – aquela coisa que paga os custos de uma televisão – chamado “Queridos Inimigos”.

Certamente iluminados por uma força extraordinária, decidiram colocar numa segunda-feira à noite, antes deste programa, que tinha atingido 12% de audiência na semana anterior, a gravação de uma Ópera que alcançou uns gloriosos 2%, arrastando em queda o “Queridos Inimigos” para 4%. Semanas depois o programa acabou!

Repetiram-se cenas como esta, de modo que, sem dinheiro, num aperto que não vindo para aqui, se conta apenas o que se pode: tratava-se de recorrer a alguém que “injectasse uns milhões”.

Verificada a indisponibilidade dos “santos ortodoxos defensores da família”, encontraram-se na sociedade civil, duas personalidades que não tendo nada a ver com a “agremiação” ali injectaram o ar necessário para garantir as emissões e preparar a venda da coisa!

Também com sucesso, foi possível, mais tarde, encontrar investidor de modo que a diocese de Lisboa respirasse de alívio na libertação de garantias patrimoniais dadas à empresa. Participei no processo e não digo mais nada.

Atesto portanto que o projecto editorial mais corajoso da Igreja Católica foi posto de pé com o dedo firme de Dom Policarpo e liquidado por “fundamentalistas católicos” incapazes até de entenderem um grande presidente do CA como foi Roberto Carneiro.

Esta experiência, mais dolorosa para uns que para outros, pois não foi possível recuperar todo o dinheiro investido por milhares de católicos dedicados, deve, a meu ver, ser recordada por ser um exemplo do que se não deve fazer.

Envolver o os interessados num projecto aberto e transformá-lo num bandeira de facção é uma traição.

Desejo que o mesmo não aconteça na CNIS.

Por Arnaldo Meireles

 

 

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