A notícia principal do “Jornal Económico” do dia 27 traz uma confissão de conforto das entidades que vivem apenas do capital e surge num momento em que o Governo colocou na Assembleia da República a discussão da Lei de Bases da Segurança Social.
Como todos os leitores do nosso jornal sabem a Lei da Segurança Social, assume uma importância capital, já que constitui o documento enquadrador de toda a legislação de protecção social. Pela informação, já pública, trata-se de discutir um processo de reforma da Segurança Social que assenta na introdução do fator de “sustentabilidade”.
Ou seja, esta proposta segue o modelo liberal que entende que o regime complementar faz parte integrante do sistema de Segurança Social, pondo-o ao mesmo nível do previdencial e ao de solidariedade.
“Capitalização e partilha de riscos”
Este entendimento que subjaz na proposta, o atual Governo acredita que a capitalização e a partilha de riscos é necessária para a “sustentabilidade do sistema” que funcionou até hoje.
Quer isto dizer que o Governo pretende um sistema misto de descontos para a Segurança Social até um determinado limite deixando à “liberdade” do trabalhadores descontar por conta própria parte do seu salário com entidades privadas.
Estas, com o perfume do céu liberal, garantiriam um rendimento autónomo (a favor do sucbsritor), fruto da aplicação desse valor nos generosos “mercados” – coisa que aliás conhecemos e pagámos já!
Entende assim o governo que o valor descontado pelo trabalhador para a sua reforma deve ser partilhado na conta da Segurança Social e na conta de entidades privadas, tipo bancos, seguradoras – tudo instituições e pessoas que só querem o nosso bem! Evidentemente.
Quer isto dizer que estes nossos “amigos liberais” têm uma fé danada que o contribuinte ao deslocar para as instituições financeiras a parte não descontada para a Segurança Social obterá uma mais-valia da qual beneficiaria quando atingisse determinada idade.
Acontece que, nesta liturgia, se anulam passos civilizacionais que importa registar:
- Trata-se de destruir o princípio de solidariedade em que assenta todo o Sistema Público de Segurança Social ;
- Pretende-se introduzir um teto nas contribuições;
- Com a consequência de uma parte dos descontos dos trabalhadores e das contribuições das empresas deixe de entrar na Segurança Social;
- Forja-se um buraco na Segurança Social, com consequências nas reforma atuais e futuras;
- Neste caso, o risco da parte aplicada em fundos privados seria apenas do subscritor/trabalhador;
- Destas consequências ficaria livre de responsabilidade o Governo;
- Os trabalhadores/empresas/subscritores jogariam assim uma espécie de totobola na parte investida;
- E assim, o que os trabalhadores receberiam, quando se reformassem, dependeria do valor atribuído pela Bolsa à carteira de títulos adquirida, com o seu dinheiro, pelos fundos de pensões.
O certo pelo incerto
O convite do Governo é assim uma proposta que lhe permita aliviar as responsabilidades de pagar o que deve (porque recebeu) as reformas atuais e um convite a quem desconta para um novo baile para pessoas que “não o sabem dançar”!
Trocar o certo pelo incerto agrada a quem tem vocação de risco – bancos, seguradoras, fundos de investimento. É certo que estas entidades precisam deste dinheiro para os seus objetivos. Mas como garantiria o Governo que estas entidades não aplicariam este nosso dinheiro em investimentos ruinosos?
Que garantias apresenta o Governo aos contribuintes para que estes comprem risco financeiro?
Uma questão de fé
O Governo acredita na benevolência dos mercados, tem vindo a falar que está aberto a colocar diversas atividades ao serviço de entidades privadas por entender que a concorrência é essencial para a qualidade dos serviços. Isto na Saúde, na Educação e na Solidariedade Social. E agora arrisca criar um “sistema misto” na Segurança Social, abrindo as portas ao capital financeiro.
Pergunta-se, pois, porque não foi dada prioridade ao estudo de todas as formas que existem no terreno, de forma a perceber como se pode aumentar as verbas da Segurança Social?
A ilusão de que descontaremos menos!
As propostas de lei apresentadas tanto pelo PSD como pelo CDS/PP, defendem a redução da taxa contributiva de todos os trabalhadores a favor de sistemas complementares assente na capitalização, e estabelece limites contributivos no sistema de repartição a favor, também, de sistemas complementares.
Quer isto dizer que o Governo se prepara para nos “explicar” que aderindo ao novo sistema, o contribuinte até pode descontar menos….aderindo na medida da sua vontade aos sistema complementares
Dicionário da Manobra
O teto contributivo
É o valor acima do qual deixa de haver descontos para a Segurança Social. De modo que haveria uma diminuição de receitas para a Segurança Social, receitas tanto mais baixas quanto mais baixo for o teto salarial.
Ora, o progressivo abaixamento deste teto irá ao fim e ao cabo transformar um direito à segurança social universal num benefício residual.
Beneficiados com o teto contributivo
Os bancos, as seguradoras, empresas de capital “tomadoras de risco” e todas as entidades vocacionadas para a gestão de fundos de pensões, que passariam a dispor de acrescidos meios financeiros para as suas atividades, sem que esteja prevista qualquer garantia para o subscritor na tomada de risco – ora a tomada de risco é a vocação destes entidades. Porquê então aproximar linho ao fósforo!?
Por Arnaldo Meireles
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