O Idiota Útil Digital

O Idiota Útil Digital – Vivemos uma época em que a incompetência se traveste de autenticidade, e o amadorismo, antes um estágio humilde de aprendizagem, tornou-se o espetáculo central da cultura digital.

A mediocridade, outrora constrangida pela vergonha e pelo silêncio, agora ostenta megafones luminosos e algoritmos a seu favor. É a era dos “influenciadores”, uma legião de semi-alfabetizados emocionais que confundem opinião com pensamento, exposição com expressão e publicidade com propósito.
O fenómeno é, na sua essência, sintoma de uma civilização que perdeu o senso de hierarquia intelectual e estética. As redes sociais, democráticas em aparência, nivelaram por baixo o espaço público: onde antes se exigia mérito, hoje basta presença, onde antes se aspirava à profundidade, hoje triunfa o ruído. O YouTube e o Instagram converteram-se em arenas onde a ignorância performa com confiança, e o vazio é embrulhado em filtros, slogans e risadas forçadas.

O novo profeta digital é o amador que acredita possuir algo a ensinar porque acumulou curtidas.

Ele fala sobre tudo, e, ao mesmo tempo, não diz nada. A sua retórica é feita de chavões motivacionais, o seu pensamento é um ecossistema de frases prontas, e sua estética é a do improviso constante, camuflada sob o nome enganoso de “conteúdo espontâneo”. O que ele vende, contudo, não é conhecimento, mas distração, e não oferece reflexão, mas dopamina.
O perigo não reside apenas na vulgaridade estética ou na superficialidade moral, mas na transformação da ignorância em virtude:
– O saber tornou-se suspeito,
– a erudição, elitista,
– e o pensamento, tedioso.

Vivemos a consagração do “idiota carismático”

O idiota carismático é uma figura que, em nome da simplicidade, rebaixa o discurso até o nível da histeria coletiva. O que se celebra não é o talento, mas a visibilidade, não é a ideia, mas o seguimento
.
Esse amadorismo medíocre, que se multiplica como uma epidemia de vozes vazias, é o triunfo da forma sobre o conteúdo, da pose sobre o pensamento.

Ele reflete uma sociedade cansada de pensar e fascinada por parecer.

Cada novo vídeo, cada novo “reel”, é um altar erguido ao narcisismo, o eu encenando a sua própria importância, mendigando relevância num mercado saturado de egos inflamados.

O que outrora era espaço para o diálogo e a construção do espírito crítico, tornou-se um shopping existencial.

Influenciadores vendem produtos inúteis com o mesmo entusiasmo com que vendem as suas almas. Há um grotesco brilho no olhar de quem acredita que o consumo é a expressão suprema da liberdade. E o público, hipnotizado pelo ritmo e pela cor, aplaude, não por convicção, mas por automatismo.

Essa banalização do espírito é, paradoxalmente, o resultado de uma promessa tecnológica sublime, o acesso universal à voz.

No entanto, quando todos falam e poucos pensam, o ruído torna-se ensurdecedor. As redes sociais democratizaram o microfone, mas não o intelecto.  O que era para ser ágora tornou-se feira, o que era para ser diálogo, tornou-se eco, e o que era para ser expressão, degenerou em autopromoção.

A inteligência, hoje, é clandestina. Fala baixo, escreve sem pressa, e é ignorada pelo algoritmo.

O verdadeiro pensador parece deslocado nesse carnaval de vaidades digitais, onde a frase bem construída é derrotada pelo vídeo mal editado, e a reflexão profunda é suplantada pelo grito histérico.
O amadorismo medíocre é, portanto, o espelho moral do nosso tempo, quer impressionar, mas não compreender, quer ensinar, mas não aprender, quer ser seguido, mas não digno de seguir.
O que ele ignora, e que o diferencia do verdadeiro criador, é que a arte, o pensamento e a influência genuína não nascem da exposição, mas da introspecção.
Talvez um dia, quando a poeira digital baixar, a humanidade volte a perceber que a luz que mais ilumina não é a da tela, mas a do espírito que se interroga. Até lá, seguimos reféns dessa legião de apóstolos da irrelevância, transformando a ignorância em espetáculo e o espetáculo em credo, pois nunca houve tanto ruído, e tão pouca voz.

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