Perante a crise neoliberal – filha do capitalismo financeiro – as próprias pessoas mais prejudicadas com o afastamento do Estado cada vez mais da vida delas, acabam aderindo os dogmas neoliberais
Tudo parecia ótimo, no sistema capitalista, até que as crises aconteceram. Na verdade crises são inerentes ao capitalismo, como posto, considerando que a situação de pleno emprego são passageiras e o sepultamento do Estado Social acaba por deixar os vulneráveis, economicamente falando, quase vez mais afastado do princípio do mínimo existencial, ou seja, do mínimo que cada pessoa carece para viver com dignidade.
Porém, o interessante dessa ideologia capitalista imposta é que as próprias pessoas mais prejudicadas com o afastamento do Estado cada vez mais da vida delas, acabam aderindo os dogmas neoliberais, talvez por desconhecimento ou talvez em razão mesmo da dominação da classe que se encontra no poder e também em razão de promessas feitas em campanhas eleitorais e quase sempre nunca cumpridas.
Assim, os gestores capitalistas, preocupados com as constantes crises, com repercussão e críticas negativas até mesmo dentre eles, pensaram em retornar às ideias de Keynes, considerando que este economista inglês nunca foi um socialista e estava disposto a salvar o capitalismo e não em desconsiderá-lo.
E foi Keynes quem apontou corretamente dois vícios fundamentais do mundo capitalista: a) o desemprego voluntário; b) grandes desigualdades na distribuição de rendimento e consequente atraso ou engessamento econômico, potencializando o desemprego.
E Keynes, conforme destaca António José Avelãs Nunes, no livro: A crise Atual do Capitalismo: capital financeiro, neoliberalismo, globalização, p. 53, “advogou a necessidade de os combater (combater os dois vícios antes citados, acrescentamos) seriamente, porque – a seu ver – estes dois “vícios” punham em causa a ‘paz social’ indispensável ao funcionamento do capitalismo dentro das regras da democracia política.”
E continua Avelãs Nunes, p. 53: “Ora o que todos os governos da EU estão a fazer (incluindo aqueles que são da responsabilidade de partidos socialistas e sociais-democratas) é exatamente o contrário: as políticas neoliberais que prosseguem provocam recessão, aumentam o desemprego, reduzem duramente os rendimentos dos mais pobres (incluindo dos desempregados) e aumentam as já gritantes desigualdades sociais.”
E quanto à promessa constitucional, de incluir e garantir direitos fundamentais, de implementar direitos sociais, fica apenas no papel, com uma Constituição de pouca ou nenhuma eficácia e, portanto, desacreditada pela maioria da população, que não viu acontecer, na prática, nenhuma melhoria em prol de uma vida mais digna. Portanto e infelizmente estes direitos fundamentais (apesar de fundamentais) são apenas formais, considerando que não se materializem juntos aos reais destinatários, que são principalmente as pessoas que se sentem excluídas.
Keynes “acreditava que a socialização do investimento tornaria o capital abundante e baixaria as taxas de juro para valores próximos de zero dentro de um prazo de 25 anos, operando-se assim, gradualmente, sem necessidade de qualquer revolução, o que ele chamou a eutanásia do rendista e do capitalista por profissão…)” (Avelãs Nunes, p., 53).
Entretanto, os capitalistas desprezaram Keynes, mais uma vez. E o neoliberalismo/capitalismo na verdade está sempre empenhado em favorecer a especulação financeira, em proteger os que vivem de rendas, em aplicações em bolsas, enfim, de proteger os que vivem de rendimentos financeiros, em detrimento do capital produtivo, gerador do emprego e responsável pela diminuição do desemprego. Entre viver de papéis e criar indústria e negócios, a opção e o incentivo deveria ser às indústrias e negócios reais. E, a partir desta proposta, com melhoria salarial dos empregados e não apenas em criação de subempregos.
Sabemos que há um insistência em apartar, em razão de vários equívocos desta ideologia, o neoliberalismo do capitalismo. Entretanto, mais uma vez socorremos a Avelãs Nunes, p. 54: “A verdade é que o neoliberalismo não existe fora do capitalismo. O neoliberalismo é o capitalismo na sua essência de sistema assente na exploração do trabalho assalariado, na maximização do lucro, no agravamento das desigualdades. O neoliberalismo é a expressão ideológica da hegemonia do capital financeiro sobre o capital produtivo, hegemonia construída e consolidada com base na ação do estado capitalista, porque, ao contrário de uma certa leitura que dele se faz, o neoliberalismo exige um forte estado de classe ao serviço dos objetivos do setor dominante das classes dominantes, o capital financeiro.”.
Portanto a crise do neoliberalismo é uma crise da financeirização, considerando a aplicação de dogmas neoliberais, a começar pela total liberdade de circulação de capitais mundo adentro, bem como a independência dos bancos centrais, a desregulamentação do setor financeiro, o processo de inovação financeira, com a criação de produtos derivados e a exigência da estabilização dos preços, mesmo que em detrimento do pleno emprego e da absorção dos desempregados, que, muitos, já não têm a esperança de voltar ao mercado de trabalho ou se sujeitam aos modestos salários, apenas para sobreviver, com dificuldades diárias e indignamente. E tudo isto acontece debaixo dos nossos olhos, como se tal coisa fosse um acontecimento natural.
Enquanto isto, há uma constante luta capitalista contra os sindicatos, que são, se não silenciados, neutralizados, com destaque para a guerra contra a contratação coletiva. Lado outro, os juros estão altíssimos e há aumento dos lucros do setor financeiro, apropriador de uma parte crescente da riqueza advinda do setor produtivo e, pior, vemos o crescente endividamento de todos, das empresas e dos próprios Estados, o que demonstra que novas crises estão prestes a acontecer, se não corrigidos os equívocos aqui apontados e se não houver uma maior preocupação com os menos afortunados.
Por Newton Teixeira* Texto original em DomTotal.com
*Pós-Doutorado em Docência e Investigação pelo Instituto Universitário Italiano de Rosário (2019). Doutor em Teoria do Estado e Direito Constitucional pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (2013), Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (2004). Especialista em Direito de Empresa pela Fundação Dom Cabral (1987), Graduado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (1985). Desembargador da 13ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais. Juiz de Direito da 1ª Vara de Família até junho de 2012. Professor de Direito de Família da Escola Superior Dom Helder Câmara. Autor e coautor de vários livros e artigos na área de família, direito ambiental e processual civil.
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