A devastação causada neste ano pode não ser a pior que vamos enfrentar. Sem uma abordagem global, as pandemias se tornarão mais frequentes
Na sua última entrevista colectiva do ano de 2020, a OMS (Organização Mundial da Saúde) destacou os avanços obtidos no combate ao coronavírus. Mas também emitiu um alerta para a humanidade: esta pandemia, apesar da devastação que causou neste ano, pode não ser a pior que vamos enfrentar, por isso devemos estar preparados.
O médico Mark Ryan, chefe do programa de emergências da OMS, reconheceu que a pandemia de covid-19 “é muito grave, se espalhou com extrema rapidez e afetou todos os cantos do planeta”. Mas advertiu que “esta não é necessariamente a maior” que podemos enfrentar”.
Os custos de prevenção de pandemias como a de COVID-19 podem ser cem vezes menores do que os impactos econômicos causados por problemas de saúde pública mundial dessa magnitude.
A estimativa foi feita pelos autores de um relatório sobre biodiversidade e pandemias publicado semana passada pela Plataforma Intergovernamental de Políticas Científicas sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (IPBES, na sigla em inglês).
Os especialistas apontam que responder aos impactos de pandemias, com a implementação de medidas de saúde pública e o desenvolvimento de soluções tecnológicas, como vacinas e tratamentos, é um “caminho lento e incerto”.
Até julho, os impactos económicos globais da COVID-19 foram estimados entre US$ 8 triliões e US$ 16 triliões. O real impacto económico da pandemia, contudo, só poderá ser avaliado com precisão quando as vacinas em desenvolvimento estiverem totalmente disponíveis para a população mundial e a transmissão do novo coronavírus for contida, ressalvam os autores do relatório.
“Temos capacidade cada vez maior de prevenir pandemias, mas a maneira como as estamos enfrentando agora ignora amplamente essa possibilidade”, disse Peter Daszak, presidente da EcoHealth Alliance e coordenador do relatório, em comunicado à imprensa.
Sem uma abordagem global para lidar com doenças infecciosas e implementar estratégias preventivas, as pandemias se tornarão mais frequentes, se espalharão mais rapidamente, causarão mais danos à economia mundial e matarão mais pessoas do que a COVID-19, alertam os pesquisadores.
Para escapar da era das pandemias, é preciso foco na prevenção. O relatório aponta que o risco de pandemias está aumentando rapidamente, com mais de cinco novas doenças surgindo a cada ano – como ebola, zika e encefalite Nipah –, com potencial para se espalhar por todo o planeta. A COVID-19, por exemplo, é a sexta pandemia desde a Gripe espanhola, em 1918.
A maioria dessas doenças (70%) e quase todas as epidemias conhecidas são zoonoses – causadas por vírus transportados por animais selvagens e que transbordam para os humanos devido ao contato com animais domésticos, gado e pessoas.
Estima-se que em mamíferos e pássaros existam 1,7 milhão de vírus não descobertos, dos quais entre 540 mil e 850 mil poderiam ter capacidade de infectar humanos, estimam os pesquisadores.
A perturbação ecológica causada por atividades humanas, como o desmatamento e o comércio e consumo de animais selvagens, tem colocado a vida selvagem, gado e pessoas em contato mais próximo, permitindo que vírus existentes em animais silvestres infectem pessoas e tenham potencial de causar surtos e, mais raramente, pandemias, que se espalham por redes rodoviárias, marítimas e aéreas, centros urbanos e rotas comerciais, afirmam os autores.
“Não há grande mistério sobre a causa da pandemia COVID-19 ou de qualquer pandemia moderna”.
“As mesmas atividades humanas que impulsionam as mudanças climáticas e a perda de biodiversidade também geram risco de pandemia por meio de seus impactos em nosso meio ambiente. Mudanças na forma como usamos a terra; a expansão e intensificação da agricultura; e o comércio, produção e consumo insustentáveis interrompem a natureza e aumentam o contato entre animais selvagens, gado, patógenos e pessoas. Este é o caminho para as pandemias”, ressaltou.
O risco de pandemia pode ser reduzido significativamente por meio da diminuição das atividades humanas que impulsionam a perda de biodiversidade, da maior conservação de áreas protegidas e de medidas que reduzam a exploração não sustentável de regiões de alta biodiversidade. Dessa forma, será possível reduzir o contato entre animais selvagens, animais domésticos e humanos e ajudar a prevenir a propagação de novas doenças, diz o relatório.
O relatório também indica opções de políticas que contribuam para reduzir e abordar o risco. Entre eles estão a criação de um conselho intergovernamental de alto nível sobre prevenção de pandemias para fornecer aos tomadores de decisão a melhor ciência e evidências sobre doenças emergentes; prever áreas de alto risco; avaliar o impacto econômico de pandemias em potencial e destacar lacunas na pesquisa. Esse conselho também poderia coordenar o desenho de uma estrutura de monitoramento global.
Outras medidas indicadas pelo relatório são garantir que o custo econômico das pandemias seja considerado no consumo, na produção e nas políticas e orçamentos governamentais e possibilitar mudanças para reduzir a expansão agrícola globalizada e o comércio que ofereçam risco de disseminação de vírus por meio do aumento de impostos de produtos como carne, entre outras
“Podemos escapar da era das pandemias, mas isso requer um foco muito maior na prevenção”, afirma Daszak.
Elton Alisson, Agência FAPESP
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