Perante um AVC – como enfrentar e o que fazer

Em 2003 foi instituído que o dia 31 de Março seria o Dia Nacional do doente com Acidente Vascular Cerebral – AVC. A pessoa que sobrevive ao AVC depara-se com uma realidade completamente alterada e com sequelas físicas, mentais e sociais, limitando a sua funcionalidade, nomeadamente na sua autonomia no que respeita às Actividades de Vida Diária – AVD’s (Carneiro,2016).

De acordo com Bowen e Patchick (2014) surgem défices motores e cognitivos que obrigam a toda uma reorganização nas actividades pessoais, profissionais, sociais, precedentemente desempenhadas. Acrescento ainda a necessidade de uma reorganização a nível familiar, quer pelas sequelas já nomeadas, quer pelo impacto emocional e psicológico tanto na pessoa como na família.

Esta realidade obriga, várias vezes, à institucionalização da pessoa que sofreu o AVC pela necessidade de ajuda de terceiros a tempo inteiro, quando o grau de dependência é severo e a pessoa perde a capacidade de estar sozinha durante o período em que os familiares estão no trabalho ou não têm condições físicas e psicológicas de assumir os cuidados necessários.

Num estudo levado a cabo por Cumming, Marshall, & Lazar (2013) concluíu-se que o grau de compromisso cognitivo se correlaciona com a duração da hospitalização e com o encaminhamento para Estruturas Residenciais para Idosos – ERPI’s, unidades de reabilitação e cuidados continuados. Sabe-se que uma intervenção transdisciplinar nos primeiros seis meses após AVC é fundamental, sendo nesta janela de tempo que se consegue obter os maiores ganhos na reabilitação física e cognitiva.

A inexistência ou uma reabilitação cognitiva inapropriada compromete a capacidade dos doentes poderem voltar a viver autonomamente (Cumming, Marshall, e Lazar, 2013). Algumas das alterações cognitivas referidas por estas pessoas dizem respeito às dificuldades em manter os mesmos níveis de atenção/concentração, a memória, a linguagem a as funções executivas (Bowen e Patchick, 2014).

A labilidade emocional é outro aspecto bastante referido, sendo que por vezes a pessoa narra alguma estranheza, sobretudo no caso em que o seu funcionamento habitual era de pouca exteriorização das emoções. Os familiares, por outro lado, mostram-se preocupados e com dificuldades em saber como gerir esta labilidade. De salientar que, na maioria dos casos, face à ausência de quadro depressivo reactivo, esta labilidade tende a estabilizar. No entanto, deve ser alvo de acompanhamento pela equipa que segue o doente, nomeadamente do psicólogo.

Debruçando-me de seguida na intervenção psicológica em AVC’s, esta assenta em três pilares fundamentais: Avaliação cognitiva, emocional e comportamental; Intervenção individual e/ou grupal; Intervenção e formação à família.

Após a avaliação realizada e identificadas as potencialidades e as áreas com necessidade de intervenção, deverá dar-se início à reabilitação das funções cognitivas comprometidas e manutenção/estimulação das funções cognitivas preservadas.

Em paralelo deve-se intervir na gestão emocional, isto é, na capacidade de saber identificar as emoções, dar espaço para a sua exteriorização, auxiliar na sua integração e na capacidade de as gerir; favorecer o desenvolvimento de estratégias de coping e de resiliência que potenciem a capacidade lidar com as eventuais sequelas pós-AVC com o menor sofrimento possível; auxiliar no desenvolvimento de estratégias de automotivação face ao seu processo de reabilitação; auxiliar na procura de mecanismos alternativos de adaptação às limitações físicas e cognitivas que podem ficar instaladas.

Sensibilizar tanto a pessoa como a família para a criação de rotinas diárias de estimulação das funções mentais (memória, linguagem, raciocínio, cálculo, funções executivas, gnosias, praxias, criatividade, atenção…). No que respeita à intervenção com a família, esta passa pela Psicoeducação e apoio emocional à família, de forma a minimizar o sofrimento sentido; capacitar a mesma de ferramentas para comunicar, incentivar e acompanhar de forma salutar o doente durante o internamento e após a alta hospitalar ou da unidade de reabilitação.

Próximo da alta clínica formar o familiar de referência e/ou o familiar mais significativo do doente com estratégias de prevenção de desgaste físico e emocional do cuidador; ensinar e treinar para que possa continuar a estimulação cognitiva.

Explicar ao familiar/cuidador informal como aplicar os exercícios, o que pode ser dito e o que deve ser evitado. Evidenciar as potencialidades da pessoa, as áreas com maior comprometimento e qual o impacto de ambas no dia-a-dia do doente. Auxiliar na reorganização familiar, se for o caso.

E nos casos em que o doente é institucionalizado? A família deixa de puder auxiliar na manutenção das funções cognitivas e no suporte emocional dado à pessoa? Nunca. Continua a ser um trabalho a três, mas desta vez, ERPI – Pessoa – Família.

Se esta for a solução encontrada pós-alta, o psicólogo faz os mesmos ensinos à família, incentivando desta forma a um acompanhamento regular à pessoa, agora institucionalizada. A diferença é que a família continua a poder contar com o apoio de profissionais competentes e capacitados durante o período em que não está com o doente. E quando a família reside longe da instituição? Nestas situações, são ensinados exercícios que conseguem ser realizados via telefónica. Esta alternativa permite a família sentir-se envolvida, próxima e saber como manter um papel ativo e insubstituível na vida do doente.

Compreendendo que os AVC’s acarretam alterações drásticas, seja no doente, seja na família, é primordial que ambos sintam que têm na retaguarda profissionais que os irão acompanhar durante todo o processo de reabilitação/manutenção, até que ambos se sintam empoderados para continuar as suas vidas com os reajustes necessários para voltar a ser o mais “normal” possível.

Bibliografia:

Bowen, A., & Patchick, E. (2014). Cognitive Rehabilitation and Recovery After Stroke. In T. A. Schweizer & R. L. Macdonald (Eds.), The Behavioral Consequences of Stroke (pp. 315–339). Springer New York. Carneiro, S.S. (2016). Estimulação Cognitiva em Idosos Institucionalizados Após Acidente Vascular Cerebral. https://bdigital.ufp.pt/bitstream/10284/5339/1/Disserta%C3%A7%C3%A3o%20Mestrado%20Sandra%20Carneiro.pdf ;  Cumming, T. B., Marshall, R. S., & Lazar, R. M. (2013). Stroke, cognitive deficits, and rehabilitation: still an incomplete picture. International Journal of Stroke, 8(1), 38–45.

Susana Duarte – Licenciada e mestrada em Psicologia Clínica e da Saúde, pela Universidade da Beira Interior. Pós-graduada em Intervenção com doentes de Alzheimer e outras demências, pelo Instituto Miguel Torga. Especializada em cuidados paliativos, pelo Instituto Português de Psicologia do Porto. Formação em Arte terapia e musico terapia, pela Education and Culture DG – Lifelong Learning Programme, Bulgária. Formação avançada em Inteligência Emocional, pela Treino de Inteligência Emocional. Experiência profissional em ERPI´s, infantários e Unidade de Cuidados Continuados Integrados (convalescença, média e longa duração). Membro do conselho fiscal (suplente) da Associação de Apoio Voluntário ao Idoso só. Formadora e facilitadora de Grupos de Suporte Emocional para Cuidadores informais. Criadora de jogos de intervenção em grupo para idosos e dinâmicas intergeracionais. Organizadora e palestrante em diversos seminários e congressos.  Autora do livro Protocolo Individual de Estimulação Cognitiva.  Co-autora no livro Pensar e compreender o envelhecimento em emergência de pandemia – Capitulo: Inteligência emocional nas equipas.  Colaboração na revista Humaniza – do IPO de Coimbra Autora do livro: Minha mente o vento não leva! Contacto: susanacgduarte@gmail.com https://www.facebook.com/susana.duarte.796/

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