Nos anos 80, do século passado, foi necessário escolher o sucessor de Monsenhor Virgílio Lopes, de Viseu, ele que colaborou e incentivou dirigentes sociais sobretudo da diocese do Porto na criação da UDIPSS – União das Instituições Particulares no Porto. O exemplo do Monsenhor de Viseu foi crucial para a criação deste movimento social com evento nobre acontecido na assembleia constituinte nas instalações do Perpétuo Socorro, dirigidas pelo padre Marinho Cia.
A luta pela dignidade das instituições e da sua autonomia no respeito pelo princípio da subsidariedade, nas relações com o Governo tornou-se a meta essencial a atingir conseguida com muito esforço por pessoas e instituições que lhe deram corpo numa afirmação da capacidade da sociedade civil.
Hoje a CNIS representa a memória da UIPSS original e desenvolveu-se em todo o território nacional sendo aí representada pelas JDIPSS regionais. A representação das IPSS cabe à direcão da CNIS eleita em assembleia geral constituída pelas Uniões existentes, várias federações de dimensão nacional e por todos as IPSS associadas num número superior a 3000.
O êxito da política social no nosso país é construído hora a hora por cada instituição, dirigente e trabalhador que neste território veste a camisola de garantir conforto e apoio aos utentes que acolhe e às suas famílias que protege.
Este património social da sociedade portuguesa tem de ser protegido e acarinhado por todos – quem serve e quem governa. E precisa de dirigentes, sobretudo de dimensão nacional que sejam fiéis aos valores fundacionais deste movimento.
A leitura partidária sobre esta realidade nacional
Na necessária substituição de Monsenhor Virgílio Lopes, por falecimento, surgiram, duas listas na União das Misericórdias. Uma encabeçada pelo padre Vitor Melícias – próximo do PS – e Luís Filipe Pereira, – dirigente do PSD, na altura. Este enquadramento foi visto na altura pela direcção da UIPSS como o “primeiro ataque às IPSS da classe política” no sentido de intervir e controlar o crescimento que se verificava destas instituições no nosso país.
Também se temia que perante as crescentes reivindicações das IPSS – apresentadas por José Maia, líder na altura e à altura – a titularidade da União das Misericórdias estaria em perigo de “transição para o partido do Governo” colocando em causa as reivindicações da UIPSS, preocupando sobretudo que tal titularidade garantisse a possibilidade de as IPSS serem amarradas a “acordos prévios” que teriam de aceitar “por extensão”.
Este era o perigo e este era o desenho
Foi entendido assim tomar posição, apoiar por isso Vitor Melícias, dado que na altura (não sei agora) 74 misericórdias tinham dupla filiação na UIPSS e na UMP. O que é certo é que dado o nosso esforço, os senhores provedores entraram nas eleições com o jornal Expresso debaixo do braço onde podiam ler um texto de primeira página sobre a candidatura do senhor padre franciscano que venceu.
Independentemente do estilo e da forma, as relações institucionais entre a UIPSS e a CNIS sempre foram saudáveis e, mesmo nos governos PS, sempre Vitor Melícas soube gerir a responsabilidade que tinha de colocar em primeiro lugar as necessidades da UMP. E para a história não ficam testemunhos desfavoráveis apesar de em certas circunstâncias tenham sido necessários encontros para uma estratégia comum.
UMP e UIPSS unidas contra a municipalização
Com o ministro Valente de Oliveira, pretendeu o governo da Cavaco Silva iniciar o processo da “municipalização das IPSS e misericórdias”. Este desiderato foi enfrentado e vencido já com Silva Peneda no governo e com a “unanimidade negocial” por parte da UMP e UIPSS. Fica o registo histórico, porque isto da “municipalização das IPSS” evoluiu no interesse e na estratégia com preocupações maiores nos dias que correm. Dentro de dias voltaremos aqui.
A pressa das Misericórdias
Sem nenhum consenso entre as instituições do setor social decidiu Manuel Lemos – atual presidente da UMP – anunciar em assembleia geral, ter sido alterado o paradigma negocial do Governo com as instituições. (Pode ver aqui a notícia: misericordias-favoraveis-a-alteracao-do-calculo-salarial/)
Este episódio justifica a lembrança referida no início deste texto, dado que falta encontrar explicação que justifique esta informação sem o conforto dos parceiros. E teme-se que de fato esteja a acontecer agora a mesma situação política que se temia quanto à possibilidade de uma organização nacional, neste caso a UMP; se prestar à vassalagem ao Governo num caminho unívoco e que não augura nada de bom.
Devemos é certo aceitar que a UMP tenha como menina dos seus olhos os Hospitais que criou, geriu e viu ser nacionalizados e que tendo-os recuperado os acarinhe no respeito pela história de cada hospital. Mas não se entende que na defesa do seu interesse particular perca a visão global do universo em que se insere.
Ao anunciar unilateralmente estar “alterado o paradigma negocial no setor” pode ficar a impressão que o senhor presidente da UMP tem a particularidade de falar sobre o “setor”, até com convicção. E talvez funcione se os ouvintes tiveram conhecimento idêntico ao dele sobre a realidade social do país.
Informamos os nossos leitores que, em sede de representação social no território, qualquer das 18 UDIPSS da CNIS tem mais filiados que a União das Misericórdias, na sua totalidade. Ter isto presente poderia permitir uma cautela especial nas decisões políticas e sobretudo garantir na comunicação de decisões globais a garantia de uma conversa prévia com os parceiros existentes.
O contentamento do governo
Compete ao governo gerir o país, cumprir a lei geral (que ninguém exclui) e respeitar as instituições existentes. E se são de louvar as declarações do primeiro-minstro ditas até em campanha eleitoral MONTENEGRO EM CAMPANHA ELEITORAL merecem ser ouvidas de novo.
Está o governo a tratar da muito necessária “nova lei do financiamento social. Também já dispobilizamos aos nossos leitores a leitura de Marco António Costa feita no congresso da União das Mutualidades que aqui pode rever: NA ANTECÂMARA DA LEI DO FINANCIAMENTO SOCIAL
Estes dois contributos constituem o essencial da palavra do PSD sobre o setor social e solidário. E são normais num partido que sempre foi reformista. São palavras importantes e orientadoras.
A prática corrente
Esta semana, o primeiro-ministro anunciou que o Governo vai retomar o processo de transferência de gestão hospitalar para as Misericórdias, sublinhando a importância deste modelo na melhoria da eficiência e eficácia dos serviços prestados às comunidades. A declaração foi feita durante a assinatura de um protocolo de cooperação entre a União das Misericórdias Portuguesas (UMP) e o Ministério da Saúde, realizada esta quinta-feira na residência oficial em São Bento, Lisboa.
Pode ver as declarações do primeiro-ministro editadas pelo Notícias da Trofa: hospital-de-santo-tirso-vai-passar-a-ser-gerido-pela-misericordia/
Mas ninguém se safa sozinho
Estas importantes declarações do senhor Primeiro-Ministro em acordo com a senhora Ministra da Saúde, mereceram leitura atenta na CNIS, nomeadamente do seu presidente, Lino Maia que escreveu uma carta ao chefe do Governo e onde apresenta a sua visão que merece ser tida em conta.
O que diz a carta
(…) Pela comunicação social soube que segundo palavras do senhor primeiro-ministro “a olhar para a satisfação das pessoas” foi assinado um protocolo com a União das Misericórdias Portuguesas, que, ainda segundo ele promove o estreitamento de uma relação insubstituível”.
Ainda segundo o primeiro-ministro “o governo vê nas misericórdias um parceiro de confiança” e que com esse protocolo visa-se “servir as pessoas e aproveitar a capacidade instalada não apenas de equipamentos “, como ” também da capacidade de recursos humanos ” pelo que não se pode “desperdiçar os que prestam serviços no setor social” . Ainda segundo o senhor primeiro-ministro, a senhora ministra da saúde “já esta a trabalhar com algumas misericórdias para a transferência de hospitais, a bem da prestação de serviço com maior eficiência”.
Louvo a assinatura do protocolo como louvo outras iniciativas legais que atribuem competências aos médicos de lares para prescrever medicação e meios complementares de diagnóstico, o que não só permite agilizar serviços como libertar o SNS de alguns procedimentos que com inequívocas vantagens, podem ser confiadas a quem melhor os pode agilizar.
Porém, não posso deixar de manifestar profunda estranheza e algum incómodo quando verifico que se confunde o setor social solidário exclusivamente com a União das Misericórdias Portuguesas.. Nada, absolutamente nada, me move contra a UMP que não só é muito importante como presta valiosíssimo serviço público. Porém, a UMP é apenas uma das quatro organizações representativas do setor social e solidário já que este é composto não só pela União das Misericórdias como também pela CONFECOOP pela União das Mutualidades e da CNIS. Todas elas são “parceiros de confiança” com as quais se pode e deve promover “relações insubstituíveis”.
No caso concreto da CNIS, devo lembrar que as suas associadas (mais de 3000 IPSS), muitas das quais, senão todas, também prestam serviços na área da saúde. Algumas das associadas da CNIS também são misericórdias e há associadas da CNIS (pelo menos 7) que apesar de não serem misericórdias, também têm hospitais.
Como outrora se dizia, “a bem da Nação” não posso deixar de reivindicar justiça …
Lino Maia, presidente da direcção nacional da CNIS
Quem não se sente, não é filho de boa gente
A carta enviada ontem por Lino Maia aconteceu no momento oportuno e foca o que provavelmente alguém não quer ver por achar, eventualmente, que para o bom despacho da coisa pública é necessário encontrar a “pedra angular” que permita todos os sonhos.
Com a saída de Vítor Melícias das União das Misericórdias foi escolhido Manuel Lemos, ex-CDS e depois profeta do PSD com lances orientados a dedo como foi o de comissário para os primeiros projectos de Luta Contra a Pobreza, no norte e com sede no Porto. E também Deputado, Presidente da Administração Regional de Saúde do Porto, chefe de gabinete da Ministra da Saúde, Leonor Beleza.
E se isto se recorda e nos leva a assinalar a escolha de Vitor Melícias em 1991 – com apoio da UIPSS – é por considerarmos que estamos exatamente na situação política que impedimos nessa altura.
Coitado do Lavoisier que nos ensinou nos idos 1775 que “na natureza, nada se cria, nada se perde, tudo se transforma”. Temos de presumir que este nobre químico não conhecia as misericórdias portuguesas.
Por Arnaldo Meireles
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