As prioridades na política social

A Lei 50/2018, de 16 de Agosto estabelece a transferência de competências para as autarquias locais e entidades intermunicipais, sublinhando que esta transferência se fará na observância dos princípios da subsidiariedade, da descentralização administrativa e da autonomia do poder local.

 CONSEQUÊNCIAS NO DIA-A-DIA DA VIDA DAS IPSS

Mais especificamente, diz-se no Dec. Lei nº 55/2020, de 12 de Agosto que o exercício das competências pode ser contratualizado com IPSS’s ou equiparadas.

Importa lembrar que a acção social é exercida há mais de 500 anos pelas Misericórdias. Em 1498 é instituída a Irmandade da N.ª Sr.ª da Misericórdia de Lisboa e desde então estas instituições proliferaram por todo o país, totalizando, hoje, cerca de 4 centenas.

Em cada território se encontram, pelo menos, uma Misericórdia e inúmeras IPSS’s, todas elas com papéis importantes na dinamização de respostas sociais e serviços de saúde, educação e combate à pobreza e à exclusão social.

Atentas às necessidades das populações locais estas entidades são, na sua grande maioria, empreendedoras e muito atentas a oportunidades de inovação social.

São, igualmente, empregadores importantes. Em alguns casos representam o maior empregador local.

Apresentam-se, sem dúvida, como entidades que contribuem fortemente para o desenvolvimento económico, social e cultural das comunidades onde se inserem.

São sem dúvida, parceiros importantes na promoção e implementação das medidas de política
social públicas!

O respeito pelo princípio da subsidiariedade, consignado pela Lei Quadro em apreço, deverá, por tudo isto, ser acautelado pelo poder local, através da manutenção dos acordos e protocolos existentes, dando continuidade à tradição de parceria e trabalho em rede entre
estes dois sectores: publico e social.

As organizações do sector social ou solidário ou do 3º sector ou da economia social, como lhes queiram chamar, caracterizam-se pela sua grande proximidade às pessoas e atenção aos problemas sociais cada vez mais severos e diversificados.

Estas organizações possuem, efectivamente, o saber e o saber fazer acumulados ao longo dos
anos.

A transferência de competências deverá atender a critérios de qualidade da intervenção social que é desenvolvida e não fazer-se “às cegas”… com base em critérios de musculação de autarquias!

Deve priorizar as dinâmicas dos agentes locais, nomeadamente, os do sector social com quem o Estado sempre contou. Publicamente assume que estas instituições se pautam pelo propósito de colocar as pessoas em primeiro lugar.

Veja-se o que é escrito no Compromisso para o Sector Social e Solidário! É o Estado quem regista o importante papel desempenhado por este sector ao longo de tantos anos e, especialmente em épocas difíceis, reconhece que este se mantém na linha da frente sem
vacilar.

A pandemia veio demonstrar isso mesmo… Para além de em todas as comunidades se terem feito notar pela sua capacidade de acção na defesa da saúde dos seus idosos, foram ainda capazes de reinventarem estratégias de gestão que acautelaram a sua sustentabilidade.

Melhor do que eu o Sr. Provedor da Misericórdia do Porto poderá dar-vos vários exemplos que demonstram a mais valia das nossas organizações, desde logo neste aspecto de fazer muito, bem e com tão pouco.

Utilizando a expressão tão em moda – o “envelope financeiro” – (no nosso caso verbas de cooperação), repito, o envelope financeiro que o Estado atribui às organizações do sector social representa em média entre 35% a 40% das suas receitas totais anuais.

Percentagens manifestamente insuficientes face aos elevados custos de exploração. Ora, perante esta realidade o sector social tem tido a capacidade de mobilizar a sociedade civil (mecenato), de criar respostas inovadoras nas mais diversas áreas para poder, assim, fazer face aos seus encargos.

Nunca põe em causa a qualidade e diversidade do serviço que presta! Esforça-se, sim, por multiplicar as fontes complementares e alternativas de receita.

A braços com um significativo aumento dos custos nos últimos dois anos, por motivos que bem conhecemos, as direcções e os seus profissionais têm dispendido um esforço é enorme!

Dirigentes e profissionais do sector social viveram momentos muito exigentes, mas nunca abandonaram a sua MISSÃO! Não houve teletrabalho… nem fecho de serviços ou atendimento por marcação… antes uma entrega sem medida para assegurar o apoio que cada
pessoa necessita.

Posto isto, porquê descentralizar centralizando?

Que sentido dar às parcerias que se foram construindo para a promoção de oportunidades de integração social das pessoas em situação de fragilidade social?

Porquê gastar energia (recursos) a muscular entidades quando existem outras já bem musculadas (estruturadas e sólidas) quanto ao saber fazer?

Não estaremos a desperdiçar capacidade instalada… recursos humanos e materiais já existentes?

Não estaremos a contribuir para a flacidez das dinâmicas territorialmente existentes?

Não estaremos a empobrecer os territórios?

Não estaremos a retirar oportunidades para as liberdades individuais se organizarem num
colectivo que objectiva o bem comum?

E por falar em bem comum, sublinhe-se a importância das relações de proximidade e confiança que se estabelecem entre as equipas de profissionais e os utilizadores dos serviços de acção social dinamizados pelo sector social, tão importantes para gerar a mudança nas
condições de vida das pessoas mais vulneráveis económica e socialmente.

A transferência de competências que não tenha esta dimensão em conta será certamente geradora de mais sofrimento social para estas pessoas.

Certamente muitos processos de mudança vão ser postos em causa. Os investimentos relacionais e materiais darão lugar a
novas perdas e desvinculações dolorosas. Muitos projectos de vida ficarão pelo caminho ou, no mínimo, adiados até um dia…

Talvez a pessoa não esteja em primeiro lugar ou talvez sim!

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Por Zélia Reis – Intervenção em colóquio promovido pelo PSD-Paços de Ferreira, segunda da esquerda para a direita

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