Realpolitik – Quando os Provisórios são sempre Definitivos

O meu tio Joaquim explicava-me na infância que isto de cigarros também tinha algo a ver com sabedoria e explicava-me que mais devia fumar-se Definitivos provisoriamente do que  Provisórios definitivamente! Pois é, ele sabe muito, a olhar com os seus olhos para a situação política dos nossos dias.

Querem fazer-nos crer que o “provisório” é regra mandando às “malvas” aquilo que toda a gente procura: uma vida tranquila, respeitadora dos prazos e dos compromissos, avessa às surpresas do (mau) tempo. Um povo tranquilo que detesta surpresas, sobretudo as anunciadas e que mais parecem manobras do “mafarrico” ele sim, dependendo do provisório porque dele se alimenta e sustém.

Democracia com 50 anos

O 25 de Abril de 1974 ofereceu-nos um regime que entende a lei como critério moral e regulador do “bom senso” que ninguém sabendo o que verdadeiramente é aponta para o respeito  da vontade do povo expressa em eleições. É neste ar que se respira a liberdade de escolha do povo; é nesta circunstância que se percebe a decisão de quem manda; pensando nós – os vulgares mortais – que manda o governo que temos.

E é nesta convicção que trabalhamos, nos comprometemos na vida pessoal e empresarial, fazendo escolhas, investimentos, enfim, opções (particulares, sociais e empresariais). Concretizamos nas acções e nas expectativas a liberdade que nos foi oferecida pelos militares de Abril.

A república dos Juízes

Esta semana, um comunicado de imprensa da Procuradoria Geral da República provocou a demissão do Primeiro-Ministro de um governo com base parlamentar de maioria absoluta e ao que se supunha blindado à prova de bala na sua estabilidade.

A demissão de António Costa é uma decisão pessoal e deve ser respeitada. Mas devemos perguntar o que acontece (aconteceria, por exemplo), se o STJ decidisse rapidamente o arquivo da suspeita! ainda antes de o PR comunicar oficialmente a dissolução do Parlamento.?..

O que fica para a história é que uma nota de imprensa liquidou a cabeça do Governo legítimo.

A maioria parlamentar

Tem o país, por vontade expressa do povo, uma maioria (absoluta) no Parlamento com legitimidade de sustentar um governo, mesmo que, por atribulações provocadas, haja incidentes que devem ser resolvidos no âmbito do “funcionamento das instituições democráticas”.

Ora o Parlamento está estruturado por prazo definido e não se adivinha nenhuma cisão que ponha em causa a vontade do povo expressa em eleições.

Estas, aliás, convocadas quando disso não havia necessidade a não ser para responder a motivações de “discussão partidária” que interpretadas pelo Presidente da República as entendeu convocar.

A confirmação de que a interpretação do órgão de poder unipessoal (que é a Presidência) estava errado foi dada pelo povo que confirmou que deveria a maioria socialista ser alargada e continuar a governar.

Acontece que a maioria parlamentar se mantém e tem em si a capacidade de resolver o problema colocado com a demissão do Primeiro-Ministro: apresentar ao país um novo Governo desde que para isso o PR não o impeça.

Respeitar a Maioria

O dever de respeitar a maioria parlamentar que existe é fundamental para a estabilidade do regime político vigente até para proteger a democracia dos abusos que ela permite e cada vez mais evidentes com a radicalização provocada por profissionais da política, da comunicação e do marketing sempre atentos à necessidade de mudança para recolocar interesses, redefinir opções e alianças.

Mas é essencial, sobretudo, para criar um “muro de protecção” do poder do Parlamento de erros, deslizes ou provocações que – no cumprimento da lei, é certo, – os outros poderes, nomeadamente o judicial, conheçam que na Assembleia de República há espaço para acolher as surpresas e no seu seio de discussão encontre as decisões necessárias a cada momento.

A decisão do PR de dissolver o Parlamento constitui um aviso de que este órgão de poder  está sujeito a dúvidas circunstanciais e que o seu mandato é provisório e depende de imponderáveis – uns mais imponderáveis que outros – tantas vezes maquinados no lado escuro da vida!

Se é certo que haja opiniões para todos os interesses – por alguma razão as nossas televisões estão cheias de “comentadores” de facção partidária/política/económica – verifica-se que também a memória (até a recente!) é selectiva.

E ninguém lembra os últimos meses da política inglesa onde o primeiro-ministro foi substituído, o seu sucessor mandado para casa acabando por se escolher Rishi Sunak… sem oposição do partido trabalhista e em regime de consenso que se mantém….sem dissoluções ou eleições antecipadas. Mas pronto, isso é em Inglaterra que em território luso a coisa pia fino….ou seja de maneira diversa!.

As consequências da dissolução

Além de interromper (mais uma vez) o ciclo político, afectar a estabilidade do parlamento e colocar de facto o país sem governo pelo menos até Abril de 2024… os eleitores serão chamados a contribuir para uma “festa” que não pediram.  Veremos se a abstenção sobe ou desce, e verificaremos sobretudo se desta decisão resultará um Parlamento melhor que o actual, isto é, onde seja possível desenhar/construir uma maioria coerente e estável como o que agora dispensamos.

É isto que interessa. Mas também é o que duvidamos.

A falta de consenso ao Centro

Lamentavelmente, em 2015, o PS quebrou com a tradição dos “partidos de poder” (PS e PSD), baseada na convicção que levava à viabilização das maioria eleitorais conseguidas. A quebra do compromisso “definitivo” pela opção do “provisório” retirou estabilidade ao sistema e colocou na corda bamba o equilibrio político da decisão.

Hoje o desenho de um governo ao centro é feito com matéria instável, sujeita a desejos minoritários sem expressão na população tendo transformado a opinião política numa manta de retalhos que nos põe a discutir coisas de pormenor e sem tempo para enfrentar o que “toda a gente pede”: as reformas estruturais.

Esta fragilidade construída em 2015, aconteceu também sabendo-se e conhecendo-se o perfil do inquilino de Belém e das suas preferências  caldeadas por momentos de dúvida e incerteza na exacta proporção e conhecimento de que da fragilidade dos outros órgãos se mantém e reforça o poder da Presidência!

O desentendimento ao centro – de recusa mútua na viabilização de governo a quem ganhar as eleições mesmo com maioria relativa – favorece os extremos políticos e a radicalização do discurso.

E assim o “partido da abstenção” tende a engordar com o desânimo provocado pela inadequação das soluções oferecidas e aquelas que os eleitores anseiam. Os eleitores do PS e PSD já constituíram uma maioria superior a 60%. Este universo existe, mantém-se mas não encontra acolhimento no pensamento de quem decide. Não se compreende.

Insiste-se na radicalização do exercício político, com narrativas de exclusão e sem espaço para uma democracia aberta e plural que enfrenta negros horizontes. E assim se prepara o terreno para as lideranças populistas, sobretudo “providenciais” que “tudo vão resolver”.

É pena e até se estranha que os nossos dirigentes políticos nos levem a acreditar que, afinal, Dom Sebastião continua a preparar o regresso!

A decisão do senhor Presidente da República reforça a fé de Sua Excelência: a decisão provisória é sempre definitiva!

por Arnaldo Meireles

 

 

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